terça-feira, 24 de junho de 2008

A decepção de Cacau

Recebi um convite para uma festa na casa do Paolo. Não estava com muita vontade de ir; estar num lugar onde as pessoas te evitam porque não te conhecem, ou conversam contigo para amenizar a própria solidão não é lá muito agradável. Durante a semana que antecedeu a festa, fui me convencendo de que a casa do Paolo não era o meu lugar. Mas o meu conformismo durou pouco: Paolo me ligou no sábado, dia da festa, pedindo a confirmação da minha presença.
- Cacau, to te esperando, viu? Não faça essa desfeita comigo.
- Poxa, Paô, mas a Mila vai sair com o carro. Talvez fique um pouco tarde...
O meu plano era perfeito: adiar o horário da minha ida e "adormecer".
- Nada disso. Se o problema for transporte, eu te pego em casa!
Sem planos agora. O jeito foi concordar e dizer que a Mila desistiu de última hora. Ela não estava aparentando querer me ajudar e sumir com o carro por alguns minutos. Muito menos me acompanhar na maldita festa.
Ao chegar com o Paolo, não me deparei com nenhuma face conhecida. Aliás, vi um sofá estampado com o rosto enorme da Frida Kahlo. Que bom: alguém familiar. Fui me aconchegar perto da imagem da Frida, bater um papo mental caliente. O Paolo tentou me inserir nas rodas de conversas, mas não adiantou muito. Os assuntos eram muito restristos ao cotidiano deles, do qual eu não faço parte. Se ainda fosse sobre artes, cinema ou meteorologia, eu poderia ensaiar um rápido comentário.
Eu já estava me despedindo da Frida (mentalmente) e quase indo embora, sem avisar ao Paolo, quando avistei um ser completamente desolado, bebendo algo parecido com Martini. Era um ser desconhecido, mas estranhamente interessante. O único homem que prendeu a minha atenção durante a festa inteira. Não tentei aproximação, nem tentaria; prefiro usar o meu charme feminino em qualquer circunstância que exija uma iniciativa de alguma das partes. Fixei um olhar gracioso e convidativo. Aquele homem tinha um semblante neutro. Parecia observar as pessoas com olhar indiferente, como se o Paolo também o tivesse obrigado a estar naquela festa.
Casualmente, nossos olhares se encontraram, e pareceram se entender: um entediado compreendia o outro. E ele se aproximou. Sentou-se no busto da Frida e iniciou um diálogo.
- Se divertindo?
- Estava quase de saída, mas resolvi ficar.
- Me chamo Marco.
- Cláudia.
O papo frio e tímido logo se tornou empolgante e envolvente. A Frida foi o nosso primeiro assunto por alguns minutos, e, sem saber como, chegamos à arte barroca, jornalismo, capoeira, tecnologia avançada, economia chinesa. Sem perceber, já estávamos falando naturalmente de casamento. Nós éramos incrivelmente afins, e eu estava com a certeza de que o meu futuro marido havia aparecido. Provavelmente solteiro, sem aliança e sem falar de mulher alguma. Ele contou que era amigo recente do Paolo, e havia comparecido à festa por pura insistência do anfitrião; como não conhecia ninguém, se deu a liberdade de convidar uma pessoa íntima sua, para não precisar sair sem dar explicações e magoar o amigo. O Paolo era extremamente sensível.
O Paolo apareceu, horas depois, trazendo consigo um homem. Marco levantou-se para recebê-lo, e o cumprimento me surpreendeu: Marco o beijou nos lábios.
- Cláudia, esse é Yan, meu namorado.