quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Palavras

Maracujá. Ma-ra-cu-já. Maracujá é uma palavra usada sem pressa cotidianamente. Mas agora está estranha. Engraçado: ontem eu pensei em maracujá o dia inteiro. Quando cheguei em casa, era suco de maracujá. Passei numa vitrine de doces e tinha mousse de maracujá com alguma coisa requintada, cheia daquelas sementes pretas que brilham. E maracujá ficou tanto na minha cabeça, que agora é como se eu desconhecesse e tivesse que buscar o significado em um dicionário maracujês-português. Eu quase não consigo reconhecer maracujá só de olhar para a palavra. E isso já aconteceu com melancia. Durante uma semana, comi melancia sem parar, sempre suculenta (que também já me foi uma palavra estranha), grande e bem vermelha. Mas, enquanto comia, ia soletrando MELANCIA, descobrindo pausadamente a palavra, proferindo (mentalmente, claro. Eu estava com a boca cheia) sílaba por sílaba da me-lan-ci-a, e me saboreando na fruta (aguada, mas saborosa). Custou para que voltasse a ser uma palavra normal. Para isso, tive que passar tempos sem ouvir falar na dita cuja. Tropical também me soava estranho há uns meses. A culpada era uma sorveteria perto da escola, que tinha um letreiro de tamanho considerável, que atraía a minha atenção. Eu imaginava a palavra tropical escrita em forma de ondas, num outdoor imenso em uma praia paradisíaca. Como se dissesse: "AQUI é tropical". Com o tempo, eu não conseguia nem lembrar o significado da palavra instantaneamente. Tinha que procurar nos arquivos da memória teimosa.
Calma, maracujá ainda não chegou a esse ponto, apesar de quase despovoar meu acervo vocabular. Eu sei que é uma fruta, mas o sabor me foge. Depois de um bruto esforço, eu lembro, mas logo foge de novo. É uma briga árdua, e o maracujá está vencendo. E tudo começou ontem, com aquele bendito suco, que, aliás, estava bem doce, cheio de açúcar, açúcar, açúcar, a-çú-car...

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Lembranças verdadeiramente pueris

Quando pequena, eu gostava de me esconder dentro do guarda-roupa. Não por achar quentinho, escuro e confortável. Fazia isso quando alguém me repreendia, sempre justamente. Quando o guarda-roupa estava muito cheio de coisas jogadas, eu tinha que buscar um outro lugar para sumir. Eu achei que os pilares e a bancada do barzinho da sala serviam muito bem para isso. E, de fato, serviram por algum tempo, até que descobriram o meu esconderijo secreto. Então tive que criar um lugar só meu, discreto e eficiente. Foi aí que eu descobri que se o guarda-roupa fosse afastado um tantinho da parede, criava um espaço vazio perfeito para o meu abrigo. Eu ainda tinha a opção de alternar entre dentro e fora do guarda-roupa. Pensava que ninguém iria, nunca, me achar, e eu poderia chorar minhas mágoas tranqüilamente sem que ninguém me incomodasse. Claro, as mágoas de uma criança de 6 anos são por causa de uma roupa de boneca perdida ou pelo pai que foi trabalhar sem se despedir. Eu nunca tive mágoas maiores. Nunca apanhei dos meus pais nem de ninguém, e agradeço por isso. Um dia fui passear com o cachorro e esqueci de levá-lo na coleira. Ele pulou dos meus braços quando viu um cachorro grandão. Mas não porque gostava de se socializar: ele gostava era de brigar, mesmo sendo quase do tamanho de um rato desnutrido. Era um cachorro muito metido, tinha um latido esganado, que doía nos ouvidos, mas não metia medo nem nos gatos pequenos. Ai, ai, me faz falta. No dia que fui passear com ele e ele pulou dos meus braços para brigar, brigaram comigo, e isso me deixou extremamente ressentida. Fui me esconder atrás do guarda-roupa e aumentar a lista das mágoas infantis. Ainda tinha as idas clandestinas à padaria da esquina e à cigarreira da outra esquina para comprar chocolates e pirulitos muito doces que vinham com açúcar cristalizado e aromatizado artificialmente no saquinho com uma foto enorme das Spice Girls, todos querendo me transformar ou numa pequena obesa ou numa futura diabética ou nos dois. Os doces queriam. Meus pais não. Eu me escondia quando chegava em casa munida de uma feirinha básica de guloseimas e mandavam escondê-las, assim como as pipocas da Turma da Mônica que eu queria comer numa tarde só. Um pacote com vinte. E, surpreendentemente, eu não era uma criança gorda. Eu tinha uma colônia de vermes aqui dentro (é a única explicação plausível), porque eu era raquítica. Comia um boi, mas era raquítica. Sempre tomei remédio para engordar, a minha vida inteira. A não ser que só esteja fazendo efeito agora...

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Com valor real

Hoje me disseram que eu não iria para o céu. Simplesmente, por eu ter criado coragem de afirmar a minha crença deísta, apesar do meu profundo respeito pelas outras doutrinas. Quando cheguei em casa, meus primos discutiam sobre religião. Falavam dos agnósticos e dos ateus sem julgamento nenhum. Até que me perguntaram:
- Você é agnóstica, é?
- Não.
- Ela é cristã!
- Não, mas eu acredito em Deus.
Bum! Imediatamente considerada herege, ateu, alguém que não vai entrar no céu porque Deus não quer. Mas como, se eu acredito Nele? Então ele vai me deixar de fora porque não segui os ramos do Catolicismo. Cada um tem a sua crença, sabe em que se fundamentar. Aliás, tem discernimento suficiente para escolher em que acreditar, sem aquela pressão que a família costuma fazer. Eu nasci e cresci num ambiente em que basicamente todas as pessoas são católicas praticantes. Respeito a escolha de cada um, e esperava que a minha escolha por uma filosofia mais amena e sem muita cobrança comigo mesma fosse respeitada também. Não ser cristã não faz de mim uma pessoa má. Quem me conhece, sabe do que eu estou falando. Inclusive, andei procurando significados para a palavra "maldade", mas não achei nenhum que se encaixasse no contexto preterido. Se ser uma pessoa má está relacionado a matar, roubar e etecetera, então os xiitas islâmicos são maus porque matam a si e a inocentes pela crença? Mesmo matando em nome da fé? Mas Deus não é um só para o mundo inteiro? Entra a questão dos politeístas, que cultuam infinitos deuses, cada um com uma função diferente. Fica a dúvida: cada um desses deuses tem um céu diferente ou eles dividem o mesmo espaço? Sei não, sei que Buda deve ter um espacinho lá no céu também, sem falar nos deuses das tribos africanas e indígenas de todas as partes do mundo.
Por isso que eu digo e repito: não se mexe com a fé de ninguém, mesmo que seja exótica. Cada um sabe do seu. Tem tanta gente mal-educada com uma religião definida (e ainda é praticamente), enquanto outras tantas pisam na igreja de ano em ano e são finérrimas.

E viva a liberdade... (assim mesmo, meio no ar).