sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

"A rosa pôs-se a chorar..."

Desde que eu nasci, só convivi com roseiras retraídas. Embaixo do parapeito, onde eu morava, eu era única e bem exuberante, qualidade que atraíam olhares, narizes ansiosos, namorados. Não namorados para mim; falo de casal de namorados que vinham admirar a minha beleza enquanto se curtiam. Mas eu? Sempre fui a admirada de longe. Ninguém me cortou para pôr num vaso no meio da sala e me inteirar das conversas. E as outras rosas sempre foram umas chatas. Enjoadas demais, tinham muita inveja de mim, e faziam questão de me deixar de fora das festas noturnas que a Dama-da-noite fazia. Todas umas recalcadas! Mas meus dias de solidão terminaram no dia em que surgiu uma nova semente no jardim. O jardineiro da casa chegou, perfurou um pouco a terra e plantou a semente. Logo vi que o problema de solidão estava resolvido, agora só faltava torcer para que fosse uma flor divertida. Meses depois, ele surgiu. Um cravo bem nutrido nasceu do meu lado. Não me incomodei um só minuto em compartilhar o nitrato disponível na terra, contanto que ele alegrasse mais os meus dias.
Ele era um cravo meio metido. No começo não conversava comigo por espontânea vontade. Sempre eu puxava assunto, e ele só falava o necessário. Talvez ele se achasse ofuscado pela minha beleza. Então, para abrandar a frieza, resolvi me acabar um pouco. Fui murchando, murchando, e quando vi, já estava sem brilho, sem forças para recuperar o meu vigor. Foi quando o cravo me chamou:
- Rosa, por que você definha?
- Queria que você me notasse...
- Por que não me disse antes?
- Você me parecia tão fechado, sem sentimentos. Queria que me visse além da minha exuberância.
- Não precisava estar morrendo para eu notá-la.
Depois de um olhar revigorante, voltei a querer viver, e ainda melhor: me apaixonei pelo cravo que me devolveu a vida. Vivemos uma linda história de amor, compartilhamos xilema e floema, depois de uns tempos éramos praticamente um só.
Até que o jardineiro, que me deu a felicidade, arrancou-a de mim, me deixou em pedaços. Ele cortou o meu querido cravo. Fiquei desolada! Acabou com uma linda história de amor... No mesmo dia, vi o meu amado sair em um buquê bem preenchido, e pude me despedir com o olhar.
Hoje estou no mesmo lugar. Voltei para minha solidão. Após inúmeros outros cravos que aqui surgiram tentando me reerguer dessa tristeza sem fim, finalmente definhei de vez, e hoje estou enterrada debaixo da janela que tanto viu e tanto ouviu, e onde eu passei a minha vida inteira, solitária ou não.