quarta-feira, 11 de março de 2009

Foram os tomates

A ideia surgiu repentinamente, em um momento de puro ócio, quando as crianças já haviam saído para a escola e o marido, para o trabalho. Essa era a pior hora do dia; a hora em que a casa ficava vazia e sugava o que havia dentro de Tânia para tentar se preencher. Tânia era uma mãe dedicada, esposa presente, dona-de-casa eficiente. Sempre dedicou suas horas na educação dos filhos. Amava o marido além de qualquer recompensa ou sentimento recíproco. Sabia que seu casamento era uma farsa, mas lhe era conveniente mantê-la - não suportaria viver com o coração esfacelado, e desaprendera a viver sem Tenório. Afinal, eram 15 anos de convivência diária. Mesmo com as grosserias do marido, ele parecia o homem ideal. Tenório era do tipo de homem que chegava do trabalho, largava a pasta sobre o sofá, deixava os sapatos dispersos no tapete da sala, o paletó no trinco da porta do banheiro... e assim saía se descompondo, até chegar no quarto vestindo apenas calças e meias. E ai de Tânia se não apanhasse suas coisas. Na verdade, ele não a ameaçava; ela achava que, se não o fizesse, seria abandonada. Já que o seu amor não era suficiente para agradá-lo, ela tentava ao menos ser útil.
Eis que naquela tarde sem afazeres uma ideia aflorou enquanto procurava meias sujas para lavar ou poeira nos móveis para limpar: fugiria de casa. Assim, todos sentiriam sua falta e implorariam pela sua volta. Foi o que fez. Não deixou maiores avisos, apenas um bilhete informando sua partida e pedindo que não se preocupassem: ela estava bem. Saiu carregando um pequeno fardo de roupas, o suficiente para pouco tempo. Só faltava saber para onde iria. Lembrou-se de uma velha amiga hospitaleira que não faria objeções em abrigá-la por um tempo. Seguiu caminho.
Os dois primeiro dias foram de pura tensão. Tânia não achou nenhuma manifestação de que procuravam por ela nas ruas nem na mídia. Nenhuma imploração de regresso. Mas imaginou que sua família não estava bem. Imaginou Tenório chegando em casa, largando sua maleta no sofá e espalhando seus pertences pela casa, sentindo falta do ser obediente que os recolhia logo depois. Sentiu que seus filhos estavam passando fome, sentindo falta de sua comida tão saborosa e nutritiva. Quis voltar logo, mas resolveu passar um pouco mais de tempo... Assim o tempo foi passando e Tânia não se deu conta. Depois de alguns anos, ela não suspeitou que a vida dos seus filhos e de Tenório poderia estar completamente diferente. Tânia deixou que eles sentissem sua falta ao ponto de esquecê-la, e foi assim que aconteceu: um certo dia, enquanto comprava tomates para sua amiga hospitaleira, Tânia viu Tenório e sua nova esposa, uma mulher madura e bem cuidada, em companhia de seus filhos, numa tarde feliz em família. Pobre Tânia...

quarta-feira, 4 de março de 2009

Absolutamente ficcional (com pouca qualidade)

Meus poderes acabaram e eu não posso mais te ajudar. Eu não quis te fazer infeliz, foi tudo uma leve brincadeira que acabou por me fazer descobrir o quanto eu não sirvo para você. Como eu queria te envolver agora, te falar o que eu sempre quis, o que eu já deveria ter dito há tempos. Mas não posso, estou sem poderes. É uma impotência que me domina, me faz deitar na relva e rolar por horas, sem notar as folhas que grudam nos meus cabelos e as joaninhas entrando na minha boca. Porque eu já não tenho domínio sobre mim. Já não tenho mais sentidos, não tenho pele, não tenho olhos, não tenho cérebro. Meu cérebro foi corroído pela minha falta de poderes. Eu não posso mais pensar em você. Queria te ajudar, mas estou precisando de ajuda. Preciso de água para tentar me reconstituir. Talvez o agá-dois-ó tenha me feito falta nesses dias. Não tenho comido, não tenho ingerido qualquer espécie de líquido. Não sinto fome nem sede, não sinto ternura, não sinto amor, raiva, pena ou sentimento de vingança. E nem quero; só queria sentir uma coisa: vontade de te ajudar. Assim eu também me ajudo e, talvez, ganho algum valor - se eu já tive algum, perdi há tempos. Não por vontade minha. Foi por vontade dos outros; foi obra dos outros.