quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Sem título

Meus amores foram embora. Me deixaram, me levaram. O que fazer com esse corpo vazio que não pode se pôr em pé? Primeiro foi o Alfredo. Ah, o Alfredo, vinha me ver nas noites quentes de janeiro. Nas frias, ele ficava em casa cuidando da família: uma mulher e quatro filhos. Será que era só uma mulher? Nunca fiz muitas perguntas sobre o Alfredo. O que me interessava nesse homem encorpado e largo era o amor que fazia comigo... rápido e furtivo, com pressa de voltar para casa e fingir uma dor de cabeça causada pelo excesso de trabalho. Bom homem, o Alfredo... e sortuda, sua mulher; o Alfredo era devastador. Ainda guardo os colares tão falsos quanto o seu amor por mim. É essa a minha forma de reviver minhas paixões, e arder de saudade. Depois do Alfredo, veio o Joaquim, um nobre fazendeiro solitário. Queria encontrar uma madame para sua fazenda mediana, e viu em mim a delicada donzela que ele tanto procurou. Até que consegui fingir durante um tempo, mas percebi que não nasci para senhora, nasci para qualquer uma. Não demorou para o Joaquim me flagrar seduzindo seus peões.
Minha mãe me dizia: "Tu, Leilinha, quando ficar moça feita, vai se ajuntar com o primo Ariobaldo". Baixinho, magrela, alguns dentes em falta e nada atraente. Então fugi de casa, e perdi mais um amor: O amor dela. Não tardou para que eu não acreditasse em união: tratei de destruir as uniões alheias. Mas meus amores iam-se embora sem avisos, sem um beijo derradeiro, simplesmente não voltavam. Levavam um pedaço de mim, e assim eu ia me descompondo. Só me restavam as lembranças; essas, por sua vez, me esvaziavam mais e mais. Foi aí que eu conheci o Salomão. Ele era um vendedor forasteiro, alvo, bem apessoado, que logo caiu na graça das mocinhas espevitadas da cidade, mas só tinha uma pessoa sem vergonha de agarrar a chance: eu, a famosa Leilinha destruidora de lares. Não estava nos meus planos me render aos seus encantos, mas há coisas na vida que fogem do nosso controle. O Salomão viveu comigo pelo tempo que durou o seu negócio. Ao ir embora, levou o único amor que ainda restava em mim: o próprio. Agora estou aqui, de coração vazio, de peito vazio, alma vazia, sem forças nem para continuar escr


(Não está bom, mas ainda vou selecionar bons textos para pôr aqui!)

domingo, 26 de dezembro de 2010

Feliz 2011

Mais um ano indo embora, e, junto com ele, tantas lembranças, tantas realizações, tantas páginas viradas. Nesse ano, o processo de despedida de uma fase está sendo diferente. Não há a velha melancolia misturada com a esperança de novos tempos. O que há é a euforia de estar enterrando um ano tão ruim como 2010.
Pensei em vir aqui fazer uma retrospectiva do que esse ano representou e o que houve de importante, mas vi que não valia a pena. De que adianta vir só contar desgraças? Os poucos acontecimentos valiosos contam-se nos dedos... Me aproximei de pessoas fantásticas, me livrei de enconstos, conheci pessoas maravilhosas, ganhei uma nova família com o Segue-me, etc, etc, etc... O que posso mesmo dizer que o encerramento do ano está sendo mágico, e assim espero que o novo ano se mostre: um ano realmente novo, que me faça crescer de uma forma positiva!
Hoje agradeço de coração o fim de 2010. FIM! E desejo que nunca mais haja um ano como esse... que sempre seja melhor e melhor e melhor. Com poesia, melodia, lágrimas de felicidade... Que eu tenha sempre coragem de enfrentar meus medos; que eu me conheça mais e mais a cada dia; que eu seja mais presente na vida de quem vale a pena. Porque de uma coisa eu tenho certeza: A tendência é melhorar! E o maior desejo é só um: VIDA NOVA!

FELIZ ANO NOVO!

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

"O bom filho à casa torna..."

Depois de mais de um ano sem dar as caras por essas bandas, cá estou eu ressuscitando este humilde blog com um texto um tanto diferente dos que já foram postados aqui. Antes de tudo, peço desculpas pelo total abandono à casa. Posso garantir que não foi por falta de tempo, foi por falta de coragem. Coragem de expor meus sentimentos e pensamentos mais íntimos, ainda que escritos em matáforas. Durante todo esse tempo, vivi uma vida normal, entretando, cheia de extremos: uma época de coisas muito boas, e outra de coisas muito ruins. Não conheci o meio-termo. Não tive tempo de viver o equilíbrio. Minha vida, nesse tempo todo, foi guiada por uma intensidade incontrolável, que não tive forças de frear.
No começo, eu me senti como se, pela primeira vez, estivesse andando pelo mundo com meus próprios pés. Mal sabia que meus pés já tinham donos (vários). Foi daí que comecei a cair. Caí porque perdi o controle da minha própria vida; vivia pelos outros, para os outros, na tentativa de ser outra. Quando percebi a que ponto a minha vida tinha chegado, só queria uma única coisa: voltar a ser aquela velha Juliana, com uma alegria pueril de viver, com planos e sonhos, com muito amor no coração. Aquela velha Juliana estava se perdendo por causa de promessas de uma vida que não valeria a pena. Estava perdendo os amigos, estava perdendo a família, estava perdendo o bom-humor, a auto-estima. E nesse ritmo, precisei de ajuda profissional, que me serviu durante um tempinho, mas eu precisava de mais que isso. Achei que a minha vida de 2 ou 3 anos atrás pudesse voltar e que seria exatamente do mesmo jeito, o que é um pensamento muito burro. Mas pensei assim. E fui empurrando assim com a barriga, num paradoxo, apegada ao passado mas querendo vida nova.
Enfim, recuperei a minha alegria de viver, mas não com meu passado. Aprendi a ouvir meu coração e parar de lutar contra ele. Estou voltando ao blog, aproveitando as férias para recuperar o tempo de abandono. Peço desculpas mais uma vez!
Obrigada!

EU :D

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Receio que eu esteja em um processo criativo decadente. Percebe-se pelo tempo que passei sem publicar nada. Não sei bem quem disse isso, creio que tenha sido Irene Hunt, mas ouvi falar que verdadeiros escritores sempre encontram tempo para escrever; podem estar enfermos, absurdamente ocupados, não importa: o tempo de escrever é sagrado. As minhas justificativas além da falta de tempo talvez não convençam. Mas posso argumentar ressaltando algo que irrita qualquer escritor-merreca como essa que vos fala. Meu teclado quebrou! Sim, quebrou...Três teclas fundamentais perderam a função. Acento agudo que é bom, nada. Nunca o copia-e-cola foi tão usado nesse computador. O backspace também se foi... Estou tendo que me reacostumar a usar o "delete", e é um processo extremamente enfadonho. Ainda mais para uma pessoa que não tem tanto tempo assim para treinar. Viu? Não sou uma escritora de verdade.
Em breve voltarei com muitos textos. Não precisam aguardar com ansiedade; eles virão naturalmente.

Abraços e mil desculpas:
A proprietária.

domingo, 26 de abril de 2009

Doce real

Recriei meus amigos imaginários, e ando conversando demais com eles ultimamente. Eles me escutam e sabem exatamente o que eu quero que eles perguntem. Quando eu era uma pequena menina, tinha meus amigos imaginários sem-nome. Compreensível: sem muitas opções de lazer durante as tarde ociosas de segunda a sexta, tinha que criar minha própria diversão. As bonecas eram inanimadas e tão perfeitas que se tornavam chatas; ou seja, não me agradavam. Então, tive a iniciativa de criar uma legião de novos amigos visíveis apenas a mim. A minha imaginação voava, formando cada detalhes dos meus amigos, cada pedaço do corpo, cada composição do ser. Tinha a amiga boazinha, o queridinho de todos, a malvada e invejosa, o sedutor, a fofoqueira... personalidades distintas para a brincadeira não ficar chata. Certo dia, me dei a liberdade de convidar todos para uma festa na minha casa. Bem, uma criança de cinco anos fazendo uma festa para um bando de amigos que sequer existiam fisicamente é de preocupar. Com um velho controle remoto de televisor liguei para cada um deles e, após confirmada a presença, avisei à minha mãe. Depois de tentar me fazer entender em vão que crianças precisam combinar essas coisas com os pais antes de convidar todo mundo, ela concordou em me ajudar a preparar tal reunião. Comprou bolo, pipoca, refrigerante e doces. Não lhe ocorreu de perguntar quem viria à festa; afinal, ela conhecia todos os meus coleguinhas de escola e da rua. Chegado o dia da festa, numa tarde semanal ociosa, minha mãe trabalhava no horário combinado, o que a preocupou muito, apesar de os convidados serem poucos. Meus amigos chegaram animados. Lanchamos, rimos, cantamos, dançamos, conversamos. Quando minha mãe chegou à casa, logo suspeitou (erroneamente) que a festa tinha terminado.
- Ué, os convidados já foram?
- Não, mãe, ainda estão aqui...
- Onde?!
- Aqui, mãe! - Eu falava, apontando para cada um e dizendo seus nomes inventados de última hora.
Minha mãe deve ter imaginado que eu estava louca. Pelo menos, foi assim que interpretei a sua injúria... Penso no que ela deve imaginar hoje quando souber que meus amigos voltaram. Ah, esses meus amigos, me acompanharam durante tanto tempo. Sabem mais de mim do que eu mesma. Pudera: em qualquer momento de aflição, é a eles que recorro. Sempre nos mesmos lugares - no cantinho escuro do quarto, numa cadeira vazia do escritório, no espelho do banheiro. Só voltam quando algo me atormenta, como tem acontecido de uns tempos para cá. E eles sempre estão aqui, independente de hora, dia, mês ou ano. Escutam meus pensamentos, ouvem minha voz lânguida e embargada, afagam meus cabelos, não falam nada. Porque falar não é preciso.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Foram os tomates

A ideia surgiu repentinamente, em um momento de puro ócio, quando as crianças já haviam saído para a escola e o marido, para o trabalho. Essa era a pior hora do dia; a hora em que a casa ficava vazia e sugava o que havia dentro de Tânia para tentar se preencher. Tânia era uma mãe dedicada, esposa presente, dona-de-casa eficiente. Sempre dedicou suas horas na educação dos filhos. Amava o marido além de qualquer recompensa ou sentimento recíproco. Sabia que seu casamento era uma farsa, mas lhe era conveniente mantê-la - não suportaria viver com o coração esfacelado, e desaprendera a viver sem Tenório. Afinal, eram 15 anos de convivência diária. Mesmo com as grosserias do marido, ele parecia o homem ideal. Tenório era do tipo de homem que chegava do trabalho, largava a pasta sobre o sofá, deixava os sapatos dispersos no tapete da sala, o paletó no trinco da porta do banheiro... e assim saía se descompondo, até chegar no quarto vestindo apenas calças e meias. E ai de Tânia se não apanhasse suas coisas. Na verdade, ele não a ameaçava; ela achava que, se não o fizesse, seria abandonada. Já que o seu amor não era suficiente para agradá-lo, ela tentava ao menos ser útil.
Eis que naquela tarde sem afazeres uma ideia aflorou enquanto procurava meias sujas para lavar ou poeira nos móveis para limpar: fugiria de casa. Assim, todos sentiriam sua falta e implorariam pela sua volta. Foi o que fez. Não deixou maiores avisos, apenas um bilhete informando sua partida e pedindo que não se preocupassem: ela estava bem. Saiu carregando um pequeno fardo de roupas, o suficiente para pouco tempo. Só faltava saber para onde iria. Lembrou-se de uma velha amiga hospitaleira que não faria objeções em abrigá-la por um tempo. Seguiu caminho.
Os dois primeiro dias foram de pura tensão. Tânia não achou nenhuma manifestação de que procuravam por ela nas ruas nem na mídia. Nenhuma imploração de regresso. Mas imaginou que sua família não estava bem. Imaginou Tenório chegando em casa, largando sua maleta no sofá e espalhando seus pertences pela casa, sentindo falta do ser obediente que os recolhia logo depois. Sentiu que seus filhos estavam passando fome, sentindo falta de sua comida tão saborosa e nutritiva. Quis voltar logo, mas resolveu passar um pouco mais de tempo... Assim o tempo foi passando e Tânia não se deu conta. Depois de alguns anos, ela não suspeitou que a vida dos seus filhos e de Tenório poderia estar completamente diferente. Tânia deixou que eles sentissem sua falta ao ponto de esquecê-la, e foi assim que aconteceu: um certo dia, enquanto comprava tomates para sua amiga hospitaleira, Tânia viu Tenório e sua nova esposa, uma mulher madura e bem cuidada, em companhia de seus filhos, numa tarde feliz em família. Pobre Tânia...

quarta-feira, 4 de março de 2009

Absolutamente ficcional (com pouca qualidade)

Meus poderes acabaram e eu não posso mais te ajudar. Eu não quis te fazer infeliz, foi tudo uma leve brincadeira que acabou por me fazer descobrir o quanto eu não sirvo para você. Como eu queria te envolver agora, te falar o que eu sempre quis, o que eu já deveria ter dito há tempos. Mas não posso, estou sem poderes. É uma impotência que me domina, me faz deitar na relva e rolar por horas, sem notar as folhas que grudam nos meus cabelos e as joaninhas entrando na minha boca. Porque eu já não tenho domínio sobre mim. Já não tenho mais sentidos, não tenho pele, não tenho olhos, não tenho cérebro. Meu cérebro foi corroído pela minha falta de poderes. Eu não posso mais pensar em você. Queria te ajudar, mas estou precisando de ajuda. Preciso de água para tentar me reconstituir. Talvez o agá-dois-ó tenha me feito falta nesses dias. Não tenho comido, não tenho ingerido qualquer espécie de líquido. Não sinto fome nem sede, não sinto ternura, não sinto amor, raiva, pena ou sentimento de vingança. E nem quero; só queria sentir uma coisa: vontade de te ajudar. Assim eu também me ajudo e, talvez, ganho algum valor - se eu já tive algum, perdi há tempos. Não por vontade minha. Foi por vontade dos outros; foi obra dos outros.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Relato ou pedido de desculpas

Como um filho que retorna ao lar depois de muito tempo, aqui venho ser breve. As felicidades que me tomaram conta nos últimos meses foram suficiente para esvair a minha imaginação. É tanto, que busco histórias, busco personagens, e nada me vem à cabeça. Nada me agrada o suficiente ao ponto de escrever e mostrar aos outros. Meus poucos leitores conquistados devem me perdoar. Se fosse uma tristeza, já teriam saído de mim pelo menos dez pequenas ficções; mas a alegria não tem esse poder de me inspirar.
Em breve, estarei retornando: com tempo, com ideias (sem acento para ir acostumando), com afetos (e desafetos), com amores (ou não).

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

"A rosa pôs-se a chorar..."

Desde que eu nasci, só convivi com roseiras retraídas. Embaixo do parapeito, onde eu morava, eu era única e bem exuberante, qualidade que atraíam olhares, narizes ansiosos, namorados. Não namorados para mim; falo de casal de namorados que vinham admirar a minha beleza enquanto se curtiam. Mas eu? Sempre fui a admirada de longe. Ninguém me cortou para pôr num vaso no meio da sala e me inteirar das conversas. E as outras rosas sempre foram umas chatas. Enjoadas demais, tinham muita inveja de mim, e faziam questão de me deixar de fora das festas noturnas que a Dama-da-noite fazia. Todas umas recalcadas! Mas meus dias de solidão terminaram no dia em que surgiu uma nova semente no jardim. O jardineiro da casa chegou, perfurou um pouco a terra e plantou a semente. Logo vi que o problema de solidão estava resolvido, agora só faltava torcer para que fosse uma flor divertida. Meses depois, ele surgiu. Um cravo bem nutrido nasceu do meu lado. Não me incomodei um só minuto em compartilhar o nitrato disponível na terra, contanto que ele alegrasse mais os meus dias.
Ele era um cravo meio metido. No começo não conversava comigo por espontânea vontade. Sempre eu puxava assunto, e ele só falava o necessário. Talvez ele se achasse ofuscado pela minha beleza. Então, para abrandar a frieza, resolvi me acabar um pouco. Fui murchando, murchando, e quando vi, já estava sem brilho, sem forças para recuperar o meu vigor. Foi quando o cravo me chamou:
- Rosa, por que você definha?
- Queria que você me notasse...
- Por que não me disse antes?
- Você me parecia tão fechado, sem sentimentos. Queria que me visse além da minha exuberância.
- Não precisava estar morrendo para eu notá-la.
Depois de um olhar revigorante, voltei a querer viver, e ainda melhor: me apaixonei pelo cravo que me devolveu a vida. Vivemos uma linda história de amor, compartilhamos xilema e floema, depois de uns tempos éramos praticamente um só.
Até que o jardineiro, que me deu a felicidade, arrancou-a de mim, me deixou em pedaços. Ele cortou o meu querido cravo. Fiquei desolada! Acabou com uma linda história de amor... No mesmo dia, vi o meu amado sair em um buquê bem preenchido, e pude me despedir com o olhar.
Hoje estou no mesmo lugar. Voltei para minha solidão. Após inúmeros outros cravos que aqui surgiram tentando me reerguer dessa tristeza sem fim, finalmente definhei de vez, e hoje estou enterrada debaixo da janela que tanto viu e tanto ouviu, e onde eu passei a minha vida inteira, solitária ou não.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Eu, hoje, represento a loucura.

Quero tentar desenhar igual, escrever igual, fazer igual: igual a tudo que eu já desenhei, escrevi e fiz. Impossível. É como tentar viver igual a um episódio já vivido. É como tentar sempre mergulhar na mesma onda da praia, lavar o rosto com a mesma espuma, ser esquentado pelos mesmos raios de sol e refrescado pelo mesmo vento. É como querer ligar a TV e assistir sempre ao mesmo capítulo da novela. É como ver o mesmo segundo da cena do filme, ler a mesma palavra do livro. E nunca se cansar.
É como desistir de seguir em linha reta, e pôr sempre o mesmo pé em cima do mesmo lugar. É como movimentar a bandeira branca repetidamente enquanto é dia, e alumiar artificialmente a noite para trazer o dia de volta. É como querer acordar todos os dias do mesmo jeito, sem mudar um caneco da rotina.
Fazer tudo igual é querer não evoluir por dentro. É planejar minunciosamente a sua vida e não deixar que nada de errado aconteça. É saber que não acontecerão as supresas que adornam os dias. É espantar as pessoas ao seu redor.
É como se fosse até o fim da linha forçando a mesmice a parecer variada, para tornar o chato divertido.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Finalmente!

Dei um basta! Chega de abdicações sem sentido, quando eu nem me divertia nem estudava. Chega de peso na consciência por ficar até 2 horas da madrugada batendo papo na internet e escrevendo coisas ilógicas, esperando o sono chegar para eu descansar o suficiente para aquela prova do dia seguinte. Chega de fins de semana desperdiçados com litros e litros de leite com Toddy, dentro de um escritório fingindo que o estudo estava rendendo, quando na verdade eu nem consigo estudar em um domingo de manhã. Acabou! Agora tenho alguns meses para fazer tudo que eu não fiz, para ler tudo que eu não li, para dormir tudo que eu não dormi.
E dependendo do resultado do bendito vestibular, que me forneceu três dias de pura tensão e um genuíno estresse, eu vou me livrar desse fardo em 2009 e começar uma nova vida ao lado de pessoas que eu nem conheço, mas que podem me auxiliar pelos próximos 5 anos.
Eu estou temerosa, isso sim. Sei lá, o futuro sempre parece meio obscuro; os nossos planos, às vezes, fogem da rota traçada e ficamos "a ver navios".
Pensando bem, melhor nem esperar o futuro. Olhando o passado: só agradeço às pessoas que eu conheci esse ano e que me propiciaram momentos inesquecíveis (blargh, que piegas). Esquecendo o vestibular, o estresse, os desencontros, os chifres, os choros, blá blá blá, esse ano foi um dos melhores até agora. E tudo graças a renovação...
Hahahahah! Eu estou feliz, sorrisinho "bunitinho".
E como sempre, detesto falar de mim mesma, mas o momento o pede...



Aham, a foto não era pra ser bonita... A feiura me parece mais humana.

domingo, 26 de outubro de 2008

O homem calado e triste

Era um homem calado e triste, trancado dentro do seu apartamento durante a sua vida inteira. E observava tudo em um binóculo. Nada passava incólume pelas lentes do aparelho. Por isso, era triste. Via o mundo como ninguém. Podia sair do seu apartamento e ensinar qualquer um a viver. Talvez essa fosse a sua missão, ainda não cumprida. O fato era que o mundo estava um caos. O homem calado e triste se afundava cada vez mais no seu silêncio e na sua tristeza. E com razão: sempre via atrocidades; pessoas que se matavam, matavam outras, assistiam alheias a outras mortes; pessoas que não se respeitavam, não respeitavam outras, e ainda semeavam o desrespeito pelo resto do mundo. Além disso, ele via coisas erradas e sem conserto. E pessoas erradas e sem conserto. O mundo estava de cabeça para baixo: assim pensava o homem calado e triste.
Eis que um belo dia, as suas lentes varrem uma imagem que parecia surreal. Uma imagem que ficaria gravada na mente de qualquer habitante deste mundo inóspito. Uma imagem que ele fez questão de não descrever, de pôr um sorriso no rosto e falar:
- Que maravilha!
Sinal de que o mundo tinha jeito. Pela expressão, parecia ser um ato solidário. Ou não, um gesto de amizade desinteressada. Até mesmo um sinal de amor, humano ou não.
O homem ficou satisfeito. Saiu do seu apartamento, e foi ensinar o resto do mundo a viver harmoniosamente. Afinal, essa era a sua missão.

domingo, 19 de outubro de 2008

Nem leiam, se não quiserem.

Posso até ser nova, mas sei muito sobre a dor e aflição, de tão comuns que são para mim. Ainda mais nesse momento de tamanho estresse que sou obrigada a enfrentar. Meus eu-líricos fogem de mim a todo instante. A todo instante aparecem na pequena janela azul e iluminada, que rapidamente se fecha. Quando saio para procurá-los, os vejo correndo na relva, mas evaporam, desaparecem como fantasmas.
Fantasmas. Me atormentam em todos os sonhos. Ando perturbada, sem inspiração e precisando de desabafar com quem for, sejam paredes rosas, amarelas, verdes, ou pretas que absorvem tudo, sejam pessoas dispostas ou não a me ouvir.

É um maldito sentimento. Eu não estou conseguindo conviver comigo mesma, mas não tenho escolha. Eu posso exigir, então, tolerância dos que me rodeiam? Não tenho esse direito. Eu espero que os outros entendam a minha reclusão dentro de mim, dentro do meu quarto que me entende, que me ouve, dentro das minhas músicas, dentro dos meus escritos melancólicos, dentro do meu peito.

Meu peito. Meu peito está vazio.
Isso está desconexo, em forma de símbolo. Símbolo de mim.
Palavras a esmo e sem sentido.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Don Juan (de volta à fantasia)

Passei em frente a uma loja de automóveis e foi amor à primeira vista: Um carrinho velhinho, mas bem conservado, vermelho-vivo. Não sei se o vírus do consumismo me contaminou, mas eu quis imediatamente ter aquele carro só para mim, e tive ciúmes de todas as pessoas que o olhavam e o almejavam. Don Juan - o carro, porque tudo que é amado tem que ter um nome - seria só meu, com os arranhões discretos no porta-malas e aquele amassadinho na roda traseira que quase ninguém percebe. O Don Juan iria percorrer becos, ruas e avenidas, e subir e descer ladeiras com a força de um possante do ano. Iria acomodar moças com esmaltes do mesmo tom de vermelho. Os planos para o Don Juan estavam feitos e arquivados. Agora só faltava ter o carro.
Como conseguir dinheiro? Assaltar um banco estava fora de cogitação. A última tentativa foi muito arriscada e quase que íamos em cana. Nada de bancos, armazéns, imobiliárias, seguradoras, ou qualquer coisa que envolvesse roubo. Se fosse assim, era mais fácil roubar o próprio carro. Pensei em pedir um empréstimo a uma tia distante e muito rica. Sendo a velha deveras ranzinza e sovina, nem levei a idéia absurda adiante. Ela iria querer que eu desse algo de garantia. Imagina, me desfazer dos meus pertences tão queridos? O Don Juan não vale o sacrifício de ficar na mão da tia avarenta. Depois de tanto pensar, não restou outra alternativa a não ser a pior coisa que alguém já inventou: trabalhar. Um marmanjo que sempre parasitou os outros e nunca fez nada de útil na vida ia ter que conseguir trabalho, mesmo sem experiência. Parti para o ataque. Procurei em todos os cantos à minha altura, mas os donos dos estabelecimentos me negavam um empreguinho de faxineiro que fosse. Até que um contato me conseguiu uma vaga numa fazenda de criação suína. Credo! Trabalhar com porcos! Péssimo para um primeiro emprego. Traumatiza qualquer mendigo miserável. Mas isso o Don Juan valia.
Quero poupá-los de uma descrição detalhada dos meus primeiros dias de peão. Sintetizando: tive que ir morar longe da civilização e do Don Juan, sujeito a qualquer tipo de mazela, andando quilômetros a pé para admirar o meu objeto de desejo e ainda criando porcos fedidos. Só sendo um sujeito muito azarado como eu para sofrer uma reviravolta dessas na vida em tão pouco tempo. E tudo por causa de um carro. O meu patrão era um sujeito muito bondoso e foi fácil aplicar-lhe um bom golpe, digno de troco na hora da compra do Don Juan.
Enfim! Consegui o meu carrinho, melhor que uma cirurgia plástica, meu lindo vermelhinho. Por onde eu passava, recebia olhares fatais de senhoritas da mais alta sociedade. Só um carro como o Don Juan para me deixar tão belo. Fazendo jus ao nome que lhe foi dado.
Um certo domingo, levei o Don Juan para passear. Mas eis que vi algo que roubou a minha atenção pelo tempo suficiente para acontecer a desgraça. Uma motocicleta prateada e brilhante quis ser minha para sempre, me chamou e a tentação foi aumentando. Então, surgiu um poste de algum lugar na minha frente. Mas de onde? Tarde demais para tentar responder. Adeus, Don Juan e dias de sacrifício junto aos porcos.

domingo, 5 de outubro de 2008

A comédia virou tragédia...

"Quem pode impedir que o povo queira ser mal governado? É um direito anterior e superior a todas as leis."

É com essa citação de Machado de Assis, em 1895, que eu começo um grande desabafo interior sobre hoje, dia de eleição, dia em que se efetivou o declínio de Macau. Há mais de 100 anos, o realismo machadiano descreveu um quadro atual na política brasileira. O povo é alienado e vota por dinheiro. Prova disso foi o que aconteceu hoje. O prefeito mais cassado do Brasil foi reeleito fazendo uma campanha suja e regada a muito voto comprado. A decepção é visível no rosto de cada um dos eleitores que votou na oposição. Claro! Combater a corrupção de forma autêntica e com uma candidatura limpa não foi o suficiente para o povo abrir a mente. Falta uma educação eleitoral aqui na cidade. Mas nada podemos fazer, só lamentar.
Cada povo tem o governo que merece. Se escolheu, é porque gosta, porque se vende por uma garrafa de cachaça, uma dose de cana, cinco reais... Vale tudo! O que me admira é que o homem está cassado, cheio de processos tramitando na justiça e ainda assim foi eleito. Simpatia não foi. Boa administração, muito menos. Então, como ele ganhou? Usando artifícios que ele sempre usa.
Será que as pessoas não pensam no futuro? No que a nossa cidade vai se tornar? Eu sempre pensei que sentiria orgulho em votar pela primeira vez, e até senti, mas depois do resultado vi que não basta só a minha consciência. Eu sei que eu votei certo, e não me arrependo. Votaria de novo se fosse preciso. Sei que o prefeito eleito não ganhou com o meu voto, e disso eu me orgulho. O MEU voto valeu a pena. Não digo que foi desperdiçado. Pelo contrário, votei em quem eu queria, não fui comprada, exerci meus direitos de cidadã. Eu fico piedosa pelo povo de Macau, que mora aqui, que vai sofrer as conseqüências por 4 anos, ou mais (uma extensão de uma possível crise, talvez?). Espero que haja boas mudanças, apesar de achar difícil. Ele não é o ideal, mas se o povo escolheu, o povo que agüente.
Eu só digo que estou decepcionada com a política brasileira. Nunca confiei, apesar de provir de uma família do meio, e agora é que eu estou desacreditada de verdade. Macau nos enganou direitinho. E vou achar pouco a lama que ela vai virar. Agora é esperar para ver. 4 anos passam devagar demais. É muito tempo para um ditador. E daqui a 4 anos, eu vou tentar fazer diferente. Nós vamos tentar fazer diferente. Durante esses 4 anos, tentaremos abrir a mente das pessoas para o que ocorre em sua volta. Tirar o litro de cana de suas mãos e inserir suas participações na política macauense.
Digo ainda: ganhamos. Sem apoio de nenhum governo, sem dinheiro, só com o apoio do povo, a diferença foi de 8%. Os adversário antigos se aliaram e ainda assim a diferença diminuiu muito (700 pessoas vieram para o nosso lado). Isso é bom. Mostrou que os traidores não têm força e só provocam revolta nas pessoas (claro, as que NÃO se vendem, que são cidadãs de verdade). A verdadeira vitória está na dignidade com que saimos da batalha.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Palavras

Maracujá. Ma-ra-cu-já. Maracujá é uma palavra usada sem pressa cotidianamente. Mas agora está estranha. Engraçado: ontem eu pensei em maracujá o dia inteiro. Quando cheguei em casa, era suco de maracujá. Passei numa vitrine de doces e tinha mousse de maracujá com alguma coisa requintada, cheia daquelas sementes pretas que brilham. E maracujá ficou tanto na minha cabeça, que agora é como se eu desconhecesse e tivesse que buscar o significado em um dicionário maracujês-português. Eu quase não consigo reconhecer maracujá só de olhar para a palavra. E isso já aconteceu com melancia. Durante uma semana, comi melancia sem parar, sempre suculenta (que também já me foi uma palavra estranha), grande e bem vermelha. Mas, enquanto comia, ia soletrando MELANCIA, descobrindo pausadamente a palavra, proferindo (mentalmente, claro. Eu estava com a boca cheia) sílaba por sílaba da me-lan-ci-a, e me saboreando na fruta (aguada, mas saborosa). Custou para que voltasse a ser uma palavra normal. Para isso, tive que passar tempos sem ouvir falar na dita cuja. Tropical também me soava estranho há uns meses. A culpada era uma sorveteria perto da escola, que tinha um letreiro de tamanho considerável, que atraía a minha atenção. Eu imaginava a palavra tropical escrita em forma de ondas, num outdoor imenso em uma praia paradisíaca. Como se dissesse: "AQUI é tropical". Com o tempo, eu não conseguia nem lembrar o significado da palavra instantaneamente. Tinha que procurar nos arquivos da memória teimosa.
Calma, maracujá ainda não chegou a esse ponto, apesar de quase despovoar meu acervo vocabular. Eu sei que é uma fruta, mas o sabor me foge. Depois de um bruto esforço, eu lembro, mas logo foge de novo. É uma briga árdua, e o maracujá está vencendo. E tudo começou ontem, com aquele bendito suco, que, aliás, estava bem doce, cheio de açúcar, açúcar, açúcar, a-çú-car...

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Lembranças verdadeiramente pueris

Quando pequena, eu gostava de me esconder dentro do guarda-roupa. Não por achar quentinho, escuro e confortável. Fazia isso quando alguém me repreendia, sempre justamente. Quando o guarda-roupa estava muito cheio de coisas jogadas, eu tinha que buscar um outro lugar para sumir. Eu achei que os pilares e a bancada do barzinho da sala serviam muito bem para isso. E, de fato, serviram por algum tempo, até que descobriram o meu esconderijo secreto. Então tive que criar um lugar só meu, discreto e eficiente. Foi aí que eu descobri que se o guarda-roupa fosse afastado um tantinho da parede, criava um espaço vazio perfeito para o meu abrigo. Eu ainda tinha a opção de alternar entre dentro e fora do guarda-roupa. Pensava que ninguém iria, nunca, me achar, e eu poderia chorar minhas mágoas tranqüilamente sem que ninguém me incomodasse. Claro, as mágoas de uma criança de 6 anos são por causa de uma roupa de boneca perdida ou pelo pai que foi trabalhar sem se despedir. Eu nunca tive mágoas maiores. Nunca apanhei dos meus pais nem de ninguém, e agradeço por isso. Um dia fui passear com o cachorro e esqueci de levá-lo na coleira. Ele pulou dos meus braços quando viu um cachorro grandão. Mas não porque gostava de se socializar: ele gostava era de brigar, mesmo sendo quase do tamanho de um rato desnutrido. Era um cachorro muito metido, tinha um latido esganado, que doía nos ouvidos, mas não metia medo nem nos gatos pequenos. Ai, ai, me faz falta. No dia que fui passear com ele e ele pulou dos meus braços para brigar, brigaram comigo, e isso me deixou extremamente ressentida. Fui me esconder atrás do guarda-roupa e aumentar a lista das mágoas infantis. Ainda tinha as idas clandestinas à padaria da esquina e à cigarreira da outra esquina para comprar chocolates e pirulitos muito doces que vinham com açúcar cristalizado e aromatizado artificialmente no saquinho com uma foto enorme das Spice Girls, todos querendo me transformar ou numa pequena obesa ou numa futura diabética ou nos dois. Os doces queriam. Meus pais não. Eu me escondia quando chegava em casa munida de uma feirinha básica de guloseimas e mandavam escondê-las, assim como as pipocas da Turma da Mônica que eu queria comer numa tarde só. Um pacote com vinte. E, surpreendentemente, eu não era uma criança gorda. Eu tinha uma colônia de vermes aqui dentro (é a única explicação plausível), porque eu era raquítica. Comia um boi, mas era raquítica. Sempre tomei remédio para engordar, a minha vida inteira. A não ser que só esteja fazendo efeito agora...

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Com valor real

Hoje me disseram que eu não iria para o céu. Simplesmente, por eu ter criado coragem de afirmar a minha crença deísta, apesar do meu profundo respeito pelas outras doutrinas. Quando cheguei em casa, meus primos discutiam sobre religião. Falavam dos agnósticos e dos ateus sem julgamento nenhum. Até que me perguntaram:
- Você é agnóstica, é?
- Não.
- Ela é cristã!
- Não, mas eu acredito em Deus.
Bum! Imediatamente considerada herege, ateu, alguém que não vai entrar no céu porque Deus não quer. Mas como, se eu acredito Nele? Então ele vai me deixar de fora porque não segui os ramos do Catolicismo. Cada um tem a sua crença, sabe em que se fundamentar. Aliás, tem discernimento suficiente para escolher em que acreditar, sem aquela pressão que a família costuma fazer. Eu nasci e cresci num ambiente em que basicamente todas as pessoas são católicas praticantes. Respeito a escolha de cada um, e esperava que a minha escolha por uma filosofia mais amena e sem muita cobrança comigo mesma fosse respeitada também. Não ser cristã não faz de mim uma pessoa má. Quem me conhece, sabe do que eu estou falando. Inclusive, andei procurando significados para a palavra "maldade", mas não achei nenhum que se encaixasse no contexto preterido. Se ser uma pessoa má está relacionado a matar, roubar e etecetera, então os xiitas islâmicos são maus porque matam a si e a inocentes pela crença? Mesmo matando em nome da fé? Mas Deus não é um só para o mundo inteiro? Entra a questão dos politeístas, que cultuam infinitos deuses, cada um com uma função diferente. Fica a dúvida: cada um desses deuses tem um céu diferente ou eles dividem o mesmo espaço? Sei não, sei que Buda deve ter um espacinho lá no céu também, sem falar nos deuses das tribos africanas e indígenas de todas as partes do mundo.
Por isso que eu digo e repito: não se mexe com a fé de ninguém, mesmo que seja exótica. Cada um sabe do seu. Tem tanta gente mal-educada com uma religião definida (e ainda é praticamente), enquanto outras tantas pisam na igreja de ano em ano e são finérrimas.

E viva a liberdade... (assim mesmo, meio no ar).

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Flerte fatal

Ando e tropeço nos meus pés, mas não sinto que arranhei os cotovelos. Os meus sentidos estão adormecidos, mas minha mente está alerta. Agonizo na calçada em plena madrugada. Grito e ninguém surge para me socorrer. Quando, finalmente, consigo me pôr em pé, caio novamente. Vejo um clarão e deduzo que é um farol. Minha visão está embaciada. O motorista do táxi (é um táxi) me ampara sem fazer perguntas. "Me leve pra casa, me banhe". Ele não me banha. Deixa-me em casa, estendido no sofá e vai embora. Amanhã ele vem receber seu pagamento. Fico estático no sofá por horas. Reajo àquela solidão e já posso me levantar e voltar a viver a minha embriaguez. Procuro uma garrafa de whisky nas minhas prateleiras. A dispensa está vazia; o meu estômago também. Eu estou vazio. O whisky não aparece, talvez Célia o tenha escondido. Ela sabe que o meu vício é mais forte que eu. Célia é uma secretária eficiente, cuida de mim. Preciso aumentar seu salário. Amanhã cuido disso. Onde esse whisky está? Whisky deveria fazer mais efeito. Não sinto o gosto do álcool, não fico fora de mim. Mas não posso ter nada forte ao meu alcance. O álcool está me ruindo. É o causador das minhas mazelas, é o capanga do diabo. Eu quero me desvencilhar desse terrível inimigo, mas não consigo. Eu preciso dele para enfrentar os meus dias. Negros dias. Achei o whisky. Quem o pôs nessa gaveta? Tomo o primeiro gole indiferente. Não desce quente, não arde a garganta, não pesa no estômago, ainda vazio. É água de outra cor. Acabo de lembrar que não tomei água hoje. Não tomo água há meses, desde que descobri que posso morrer a qualquer momento. É um desperdício tomar água pura, agá-dois-ó com sais. Tanta gente morrendo de sede em lugares, quentes ou frios. Então deixo a água para elas. Eu tenho água sem sais. Água na minha bebida alcoólica, e me satisfaz. Sou um homem adaptável às circunstâncias mais sórdidas. Sobreviveria comendo lixo. Os cachorros comem lixo e ainda estão vivos; não sou mais que isso, sou um cachorro, apenas maior e disforme. Não tenho amor por ninguém, não sou amado por ninguém. Só cultivo o mínimo de afeição por Célia, por ela cuidar de mim. Sinto que atrapalho. O telefone não toca há dois meses. Está servindo de adorno para a minha sala. E agora, me causa sofrimento. Olho para o telefone e lembro que ninguém me liga há dois meses. E se alguém tiver me ligado enquanto eu estava fora? Nunca saberei. Olho e sofro. Bebo, olho e sofro. Sei que sou alguém que não espera nada da vida. Nem ao menos tenho vida. Sou um bêbado sem porvir. Levanto cambaleando e sigo para o banheiro. Deixo o copo de whisky cair, não controlo meus movimentos. Ao olhar-me no espelho, deparo-me com minha imagem nada aprazível. Eu não quero ser assim. Mas sou. Lembro que escondi algo no meu quarto. Arrasto-me para lá. A cama parece aconchegante, e, nessas condições, eu não posso querer outra coisa além de aconchego. Eis que surge na minha frente a ferramenta que pode me tirar do desespero. Sem pensar duas vezes, seguro firme o revólver, o posiciono na boca do ouvido e aperto o gatilho.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Comédia Eleitoral Gratuita

Eu não sei em quem votar. Confesso que achei que sentiria orgulho em votar pela primeira vez, e hoje, analisando as propostas e os currículos sujos dos candidatos, não sei em quem votar. Um dos candidatos é o prefeito atual, com ficha suja na justiça, visível corrupto. Ganhou a eleição comprando votos descaradamente. No poder, surrupiou os cofres públicos, e contratou sua corja, bandidos conhecidos da população. Dono de uma tremenda simpatia, consegue mascarar sua mente macabra com discursos que conquistam a massa popular. Sem falar na cachacinha do domingo, com os pescadores: cadeira cativa no porto. Sentindo-se ameaçado, esse homem foi capaz de aterrorizar uma família em pleno reveillón, quando o clima deveria ser de paz. Definitivamente, um homem incapaz de administrar uma cidade como se deve.
O segundo candidato é um ex-prefeito que nada acrescentou à cidade. Talvez até tenha contribuído para o regresso do município. Passou oito anos na prefeitura, usurfruindo do dinheiro do povo; tanto que transformou um casebre num palácio. Mágica? Gatunagem. Ele é um médico, e, surpreendentemente, a saúde da cidade era uma verdadeira vergonha na sua gestão.
Sobre a terceira e última candidata só há uma coisa a se falar: isca. Apesar de ser um nome indiscutivelmente competente, não tem chances de ganhar. A sua simpatia (ou falta de) é conhecida. Sem falar que está entre dois ferozes concorrentes. Mesmo por protesto, acho que não vale a pena ser candidata.
A eleição será marcada pela compra de votos, como sempre acontece. Coisa que eu sempre combati. Falta ideologia naquela cidade. Ninguém vota num candidato porque ele merece, e, sim, porque ele prometeu trazer Chiclete com Banana caso ganhe. As pessoas vendem a democracia, não sabem que têm uma potente arma nas mãos; esqueceram que podem revolucionar o país, se for caso. As notícias de corrupção passam pelo dia-a-dia como uma coisa normal, mas o mínimo de indignação deveria habitar a mente das pessoas. Hoje, agem como se fossem alheias ao país. Como se política fosse coisa para poucos, quando, na verdade, é de todos. Como se o mundo delas fosse outro, um mundo exclusivo longe da pobreza, do analfabetismo e dos políticos inescrupulosos. Pessoas que não aprenderam a viver; que perdem tempo com poucas coisas, enquanto poderiam estar mudando o mundo e usando outro critério para dar o seu símbolo de protesto - o voto - a algum político que mereça, ou que seja menos safado (perdoem o palavreado).

p.s.: Não tenho nada contra os candidatos nem sua família. Apenas expresso a minha opinião a respeito da personalidade POLÍTICA de cada um. E hoje (dia 26 de agosto de 2008, dia que edito essa postagem) já sei em quem votar. E não é nulo/branco. Eu exerço a minha cidadania, e posso expressar minha opinião como componente de um eleitorado e observadora. Obrigada.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

A esmo.

O cheiro de novo pairava no ar. Naquele momento, redescobri a sensação de felicidade. Ao abrir o pacote que meu irmão me entregara, fui submetida a um estado de euforia que custou a passar. O pacote continha um caderno e um conjunto de canetas de todos os formatos e cores. Um caderno suculento, com dezenas de folhas em branco; folhas sedutoras, que insinuavam-se de modo faceiro, como se soubessem da minha incapacidade de resistência àquela espécie de convite. Eram folhas que suplicavam, por rabiscos, mesmo que fossem disformes. Apanhei uma das canetas coloridas no fundo da caixa, abri o caderno de capa dura na primeira folha e iniciei uma batalha contra a euforia, que inibia a minha criatividade. O mais duro em escrever algo é o início, em que nenhuma das palavras fazem sentido nem parecem boas e adequadas. Essa aflição inicial aumenta quando não conseguimos nos dominar.
Escrevi um "querido diário" em letras arredondadas e grandes, mas risquei logo depois. Usar um caprichado caderno para relatar a monotonia ou peripécias do meu dia-a-dia era um desperdício. Não queria tranformá-lo em um depósito de coisas sobre mim, se nem sei falar sobre mim. Sei que respiro e transito pela rua fingindo ser uma pessoa comum. Escrevi "era uma vez" ao lado da rasura. Essas três letras me acalmaram e pude continuar um breve conto; talvez um episódio sobre um gato. O meu gato imaginário se assemelhava a meu ser. Virou parte de mim, e já me via conversando com ele ao regar as plantas. Pus seu nome de Haroldo: um bom nome para um gato peludo e laranja como o meu; embora invisível para os outros, perfeitamente visível para mim.
A imagem do Haroldo não se esvaiu de mim, apesar da nuvem criativa que me sondava: inúmeras idéias queriam perpetuar-se no meu caderno novo. Novos tempos.

domingo, 3 de agosto de 2008

A cartomante

Cordel de minha autoria, baseado no conto homônimo de Machado de Assis.

O que Camilo mais se irrita
É com a insegurança de Rita,
Uma moça bonita
Que visitou uma cartomante
Pensando que era instante
Sua paixão alarmante

Superstição em criança
Tinha sempre a esperança
De que um dia ia mudar
Mas no auge da mocidade
Aos vinte anos de idade
Deixou as crenças para lá

Diante do mistério
Fez cara de sério
e desceu com sua amada,
Não mais amedrontada

O encontro todo dia
Às escondidas acontecia,
Na antiga Rua dos Barbonos
Já que Rita tinha dono

Camilo e o rival
Eram amigos de longa data.
Com a volta de Vilela à terra natal
Camilo conseguiu-lhe uma morada

Uma tragédia uniu o trio
A mãe de Camilo morreu
Tornou forte a amizade pueril
E um amor recente nasceu
Como jamais sentiram igual
Mas não podiam mostrar nenhum sinal

Camilo, anos completou
E ganhou uma bengala de Vilela.
De Rita, apenas um bilhetinho
Mostrando todo o carinho dela
Se viu, então, apaixonado
Por uma linda donzela

Ela quis fugir
Não conseguiu, mas tentou
Seu coração se negou a aceitar
Foi então que viu abrir
As portas e janelas do amor
Sentindo a delícia de se apaixonar

Uma carta anônima recebeu
Mostrando conhecido o seu sentimento
Camilo de medo quase morreu
Sentindo intenso descontentamento
À casa de Vilela não mais desceu
Causando em Rita sofrimento

Vilela notou o sumiço
Foi a Camilo perguntar
A causa do desaparecimento
Camilo respondeu que isso
Havia logo de passar
Era paixão de momento

Não teve nenhuma coragem
De revelar quem era
Faria uma grande bobagem
O corno ficaria uma fera

Quando Camilo sumiu
Rita procurou a cartomante
Sentia na barriga um frio
Pagava até com diamante
Ao sair, enfim sorriu
Não havia dúvida restante

As cartas sem remetente
Continuaram a chegar
Pensou em pretendente
Nem de longe era advertente
E se pôs a imaginar

Havia grande possibilidade
Que o anônimo escrevesse a Vilela
E ele soubesse a verdade
Como em cena de novela

Rita tentou evitar
Guardando as que tivessem igual letra
Se procurassem, teria rasgado
Mas Vilela começou a desconfiar
Que Rita estava em uma treta
E pensou em Camilo na cama ao seu lado

Ela disse ao amado
Que o marido tinha quase certeza
Que eles deviam tomar cuidado
Vilela tinha destreza
Camilo voltaria à residência
E ouviria qualquer confidência

Camilo pensou com a razão
Vilela desconfiaria mais
Achou melhor diminuirem a tensão
Para, por um momento, terem paz
Os corações foram quebrados
Com lágrimas separados

Vilela escreveu ao amigo
Chamando-o em casa urgente
"Falar em casa comigo?"
Pensou Camilo, temente

Camilo pensou no pior
Pelo conteúdo do bilhete
Sentiu na garganta um nó
E nas pernas, cacoete
O sorrisou amarelou
E a pele esbranquiçou.

Passou em casa pra ver
Se tinha alguma recado dela
Sentiu a cabeça doer
Só conseguia pensar em Vilela
Em casa não tinha nada
Resolveu seguir estrada

Camilo estava nervoso
Crescia mais a comoção
Daqui a pouco ele teria
Um ataque do coração

Entrou numa carruagem
Foi a única saída
Pagaria a passagem
Para ir pensando na vida
Mas por acidente parou diante
Da casa da cartomante

Desceu da carruagem
E as cartas foi consultar
Se antes achava bobagem
Agora ia acreditar
Ele fugia da realidade
Queria saber a verdade

O que ela lhe respondeu
Fazia muito sentido
Camilo de lá desceu
Bastante comovido
Aliviado permaneceu
Não estava arrependido

Confiante seguiu
Se culpando pela maldade
Afinal eram amigos
Desde a mocidade
Podia ser que o assunto
Fosse de muita gravidade

Tinha a sensação
De infinita felicidade
Pediu para o cocheiro
Aumentar a velocidade

Assim que Camilo chegou
Vilela apontou para a porta
Quando viu, não acreditou
Rita estava morta

Vilela atirou, indignado
Dois tiros acertados
Deixando Camilo morto no chão
Ele foi traído e enganado
Deixando machucado
Seu imenso coração.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Tonho

Sendo um homem muito disposto e trabalhador, o reumatismo só lhe trouxe regresso. Doença é sinônimo de decadência. Logo Tonho, um senhor acostumado desde criança a trabalhar com cana e com gado. Sua mãe morreu no dia do seu nascimento. Tonho foi amamentado por uma ama que cuidou dele até o último suspiro. Seu pai lhe ensinou a lavrar a terra, a ordenhar o gado e a moer a cana. As coisas da vida, Tonho foi aprendendo sozinho: o pai era um homem de poucas palavras, sisudo, e raramente ficava em casa fora do horário de trabalho. Sua cachaça e sua noite de prazer lhe eram indispensáveis. Nunca pensou em levar Tonho aos locais que freqüentava. Achava que o rapaz só ia atrapalhar. Na verdade, o pai nunca olhou para ele como um filho, e sim como um empregado, que tem obrigação de dar conforto e fartura ao patrão.
Fazendo trabalhos extras, Tonho conseguiu juntar um dinheiro. As opções de bico eram poucas e a remuneração era rala, mas para alguém como Tonho, que não gastava com vulgaridades, dava para sobreviver até arrumar um emprego. Com o dinheiro que juntou, Tonho ganhou o mundo. Finalmente, pôde descobrir os mistérios da vida: as mulheres nuas, cruas e baratas; a água que desce goela abaixo, provocando a impressão de forte corrosão; as feiras, os circos e a vida vadia. Mas o gosto pelo trabalho não se esvaiu de Tonho. Nas noitadas, que se tornaram corriqueiras, Tonho conheceu Neuza. Neuza era uma mulher simpática, extrovertida e diferente das outras mulheres por ser menos recatada, e ainda assim honrada, honesta, donzela. Ela era uma mulher de muito amigos e apreciava uma branquinha. Tonho se engraçou de Neuza, e foram morar juntos numa fazenda no único distrito da cidade.
No começo, era um mar de rosas. Em uma eterna lua-de-mel, até um arroto de Tonho era engraçadinho, e Neuza, ao despertar de olho inchado, mau-hálito e completamente despenteada, além do mau-humor, era uma ninfa perfeita. Durante o dia, Tonho cumpria as obrigações do ofício de vaqueiro. No fim da tarde, voltava para seu casebre e amava loucamente sua mulher, e isso aumentava seu vigor no dia seguinte.
O tempo foi passando, Tonho envelhecendo e o fogo de Neuza aumentando. O trabalho na fazenda só aumentava. O antigo patrão morrera, e o seu filho tomou posse das terras do falecido. O filho era um carrasco, ordenava tarefas dispensáveis e irrelevantes, além de diminuir o salário de Tonho e aumentar a jornada de trabalho. Tonho já não era o mesmo homem disposto de antes. Suas atenções ficaram concentradas no trabalho. Se, quando menino, ele era econômico e de poucos vícios, agora era pródigo em futilidades e virara um beberrão, coisa que aprendera com Neuza. Neuza também não era a mesma mulher de antes. O seu fogo para o amor continuava, e Tonho não tinha fôlego para saciá-la. Ela pensou numa tática para ir à cidade: comprar rapadura e açúcar. No primeiro dia, Tonho nem desconfiou, e Neuza amou Valença. Na semana seguinte, ela resolveu prosseguir com o plano. Os produtos eram café e azeite, e Neuza amou Camilo. Assim, passaram dois meses, até que Neuza resolveu ir embora de vez. O reumatismo já começava a atacar o pobre Tonho, e ela dizia que não era mulher para cuidar de homem doente. E não cuidou mesmo: fugiu com Leocádio, um grande amigo de Tonho na infância, que se transformara no seu maior inimigo.
Tonho se encheu de remorsos, e se culpou durante muito tempo. Esperava-a na porteira, por várias horas, até que cansou e resolveu continuar sua vida de vaqueiro reumático, sem mulher, filhos (Neuza era estéril, mas nunca revelou detalhes a Tonho), com pouco dinheiro e meia dúzia de gado magro.

terça-feira, 24 de junho de 2008

A decepção de Cacau

Recebi um convite para uma festa na casa do Paolo. Não estava com muita vontade de ir; estar num lugar onde as pessoas te evitam porque não te conhecem, ou conversam contigo para amenizar a própria solidão não é lá muito agradável. Durante a semana que antecedeu a festa, fui me convencendo de que a casa do Paolo não era o meu lugar. Mas o meu conformismo durou pouco: Paolo me ligou no sábado, dia da festa, pedindo a confirmação da minha presença.
- Cacau, to te esperando, viu? Não faça essa desfeita comigo.
- Poxa, Paô, mas a Mila vai sair com o carro. Talvez fique um pouco tarde...
O meu plano era perfeito: adiar o horário da minha ida e "adormecer".
- Nada disso. Se o problema for transporte, eu te pego em casa!
Sem planos agora. O jeito foi concordar e dizer que a Mila desistiu de última hora. Ela não estava aparentando querer me ajudar e sumir com o carro por alguns minutos. Muito menos me acompanhar na maldita festa.
Ao chegar com o Paolo, não me deparei com nenhuma face conhecida. Aliás, vi um sofá estampado com o rosto enorme da Frida Kahlo. Que bom: alguém familiar. Fui me aconchegar perto da imagem da Frida, bater um papo mental caliente. O Paolo tentou me inserir nas rodas de conversas, mas não adiantou muito. Os assuntos eram muito restristos ao cotidiano deles, do qual eu não faço parte. Se ainda fosse sobre artes, cinema ou meteorologia, eu poderia ensaiar um rápido comentário.
Eu já estava me despedindo da Frida (mentalmente) e quase indo embora, sem avisar ao Paolo, quando avistei um ser completamente desolado, bebendo algo parecido com Martini. Era um ser desconhecido, mas estranhamente interessante. O único homem que prendeu a minha atenção durante a festa inteira. Não tentei aproximação, nem tentaria; prefiro usar o meu charme feminino em qualquer circunstância que exija uma iniciativa de alguma das partes. Fixei um olhar gracioso e convidativo. Aquele homem tinha um semblante neutro. Parecia observar as pessoas com olhar indiferente, como se o Paolo também o tivesse obrigado a estar naquela festa.
Casualmente, nossos olhares se encontraram, e pareceram se entender: um entediado compreendia o outro. E ele se aproximou. Sentou-se no busto da Frida e iniciou um diálogo.
- Se divertindo?
- Estava quase de saída, mas resolvi ficar.
- Me chamo Marco.
- Cláudia.
O papo frio e tímido logo se tornou empolgante e envolvente. A Frida foi o nosso primeiro assunto por alguns minutos, e, sem saber como, chegamos à arte barroca, jornalismo, capoeira, tecnologia avançada, economia chinesa. Sem perceber, já estávamos falando naturalmente de casamento. Nós éramos incrivelmente afins, e eu estava com a certeza de que o meu futuro marido havia aparecido. Provavelmente solteiro, sem aliança e sem falar de mulher alguma. Ele contou que era amigo recente do Paolo, e havia comparecido à festa por pura insistência do anfitrião; como não conhecia ninguém, se deu a liberdade de convidar uma pessoa íntima sua, para não precisar sair sem dar explicações e magoar o amigo. O Paolo era extremamente sensível.
O Paolo apareceu, horas depois, trazendo consigo um homem. Marco levantou-se para recebê-lo, e o cumprimento me surpreendeu: Marco o beijou nos lábios.
- Cláudia, esse é Yan, meu namorado.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

A boneca

Gostei da Betânia desde o primeiro momento. Senti que seríamos cúmplices até quando fosse possível, e desejava que fosse possível para sempre. Ela foi a alegria dos meus 8 anos. Os brinquedos que me distraiam eram artesanais: o papai nunca pôde comprar aquelas magníficas casinhas de boneca, com sofazinhos de todos os tamanhos, formas e cores. Além disso, era divertido montar e desmontar os nossos próprios brinquedos. O martelo em miniatura me deixava com sensação de utilidade, e era delicioso. Eu nunca pedi uma boneca sequer, já que nunca me fez falta. Desde que a mamãe morreu, o papai precisou suar muito naquela oficina pra conseguir me educar. Nunca quis que ele se preocupasse tanto comigo. Até pensei em fugir de casa. Desisti da idéia quando percebi que não lembrava do rosto da mamãe, nem do dia que ela morreu. Ainda mais: para onde eu iria? Melhor mesmo ficar em casa.
A Betânia surgiu na minha vida por uma malcriação. Na véspera do meu aniversário, pedi ao papai um passeio pela cidade. Sem nenhuma pretensão. Eu não podia imaginar que uma vitrine causaria tanto alvoroço numa criança.
- Pai, olha! Que linda!
- É...
- Pai, compra pra mim? Por favor, vai...
Ele se mantia inexpressivo, enquanto eu implorava com fervor.
- Pai, o que é que custa? Você nunca me deu nada mesmo...
Aquela palavras proferidas por uma criança de quase 8 anos? Eu pude ver um misto de vergonha, culpa e tristeza no rosto do meu pai. Não era a minha intenção. Eu falei por impulso, e não tinha mais jeito: escapou.
Voltamos para casa, e, logo em seguida, o papai saiu e me deixou só. No outro dia, descobri o motivo do seu sumiço: Betânia.
Ela era quase do meu tamanho e divinamente linda: os cabelos tratados e brilhosos, olhos castanhos, e um vestido feito por fadas. Era a boneca dos sonhos de qualquer menina sã na minha idade. Instintivamente, pus o nome da mamãe, e vi que isso alegrara o papai. Mesmo que aquela boneca tivesse lhe custado uma fortuna, estava valendo a pena.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Amores impossíveis e tão previsíveis...

Quando eu procurei Danilo naquela dia, não pensei que iria mudar meus conceitos a seu, meu e nosso respeito. Aconteceu tudo tão rápido que acabou sendo imperceptível. Danilo sempre me acalentou em momentos ruins, e daquela vez não foi diferente. Danilo estava em casa, sem Lorena. A presença dela me incomodava um pouco, então sempre o visitava quando ela não estava. Lorena era uma mulher mordida de ciúmes, menos de mim. Isso me confortava quanto a estar na companhia de Danilo, mas não me confortava quando era ela que estava perto.
Danilo sempre me recebia em sua casa com muitos abraços quando eu estava em prantos. Ele já sabia sempre o motivo: Luan, um homem verdadeiramente infiel, porém possessivo. Naquela noite, eu havia o deixado. Eu já havia agüentado maus tratos por muitos tempo. Danilo estava pronto para me ouvir. Sempre estava.
Toquei a campanhia e ele me recebeu, com o carinho de sempre: o carinho de um amigo que ajuda nas horas difíceis. Não sei se foi a minha carência, as circunstâncias ou qualquer outra coisa que me fez olhá-lo de outra forma. Com o abraço, vieram as carícias leves, aquelas no tronco superior durante os abraços: rosto, costas, braços. Danilo preparou uma bebida para nós, e sentou, esperando, atento, o começo do meu desabafo. Não consegui.
Talvez, o que estava travado na garganta só saísse para Luan. Um misto de ódio e alívio, que teria que sair de qualquer forma, nem que fosse dito ao espelho. Naquela hora eu sentia um pouco de vergonha. Era como se o que fosse dito pudesse ser usado contra mim. Como se Danilo fosse pensar que eu ainda amasse Luan. Então, tentei buscar dentro de mim mesma o porquê daquele pudor todo.
Foi nesse momento que descobri que a minha vida estava pior que antes: me vi apaixonada por Danilo.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

mentirinhas...

Tudo aconteceu de repente: Ele chegou e se apoderou de mim. Disse que eu era seu mundo, e que de nada valia o seu sentimento se não houvesse um retorno equivalente.
Para sua graça, o retorno aconteceu. Eu e Cristiano nos tornamos amados/amigos/amantes. Na minha frente, eu só via a paixão. Paixão, ou qualquer outra nomeação praquele sentimento, que me fez cegar, que só me fez ver o mundo de Cristiano.

Hoje, estou sozinha, sendo inspirada pelas pálidas ondas do mar. Cristiano me deixou. Sumiu, partiu: o meu coração e de mim. Ele não me disse que era mentiroso. Não falou que só queria o oba-oba. Não deixou claro que queria diversão como se eu fosse uma mulher-à-toa.
Ele saiu por aí, e para enganar outras pobre ingênuas, insatisfeitas consigo mesmas e a procura de alguém que as complete, nem que esse alguém seja um homem que elas acabaram de conhecer, e de nada sabem sobre seu passado amoroso sujo.

Esse é o desabafo de uma traída.
Letícia.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

O crime puro da traição

Jéssica esperava ansiosamente o telefonema de Maurício, quando a capainha tocou.
- Maurício! - pensa, enquanto corre para atender - Danado. Sabe que adoro surpresas.
Sim. Foi uma surpresa maior ainda. Jéssica ficou estática diante da descoberta: quem se encontrava em sua frente não era seu namorado, mas o vizinho gostoso.
- Lucas?
Sem proferir uma única palavra, Lucas tomou Jéssica pelo braço, enlaçou sua cintura e amou-a. Jéssica não tinha forças para reagir. Queria aquilo, mas o seu relacionamento com Maurício a impedira. Depois do aniversário de 3 anos de namoro, Maurício esfriava. Não era o mesmo homem do início. E alí, nos braços de Lucas, Jéssica procurava fôlego. Enquanto Lucas a beijava, ela gritava, um grito mudo, que nem mesmo o homem alí presente era capaz de ouvir.
Lucas desenrolava seu vestido, beijava sua boca quente, despia Jéssica com um carinho que ela jamais havia sentido. Maurício a tratava como prostituta na cama. Ela não se sentia como um objeto de amor, e sim como fonte de desejo. Sentia-se como uma qualquer.
Jéssica não conseguia imaginar o que fizera Lucas tomar aquela atitude. Só conseguia sentir aquele momento, aquele profundo prazer misturado com amor, com carícia, com libido, volúpia.
O telefone, então, começou a tocar. Esquecidos do mundo, os dois permaneceram no seu ato, naquele movimento ritmado sem ao menos sair do lugar.
Não sabiam, ao certo, quanto tempo havia se passado. Sabiam apenas que estava bom, que era prazeroso aquilo, e que se desejavam, se sentiam, se afagavam, beliscavam um ao outro, um pensando no outro, um querendo o outro. E se tinham.
Jéssica ouviu um barulho na porta. Sim: Maurício tinha a chave e acabava de chegar.

momento do Adeus.

Pretendo ser breve, Dúbio. Não quero deixar ponderações saudosistas e lhe culpar por tudo. Esse bilhete é um tênue aviso. Sem mágoas. Sem rancor. Não está servindo de nada o nosso romance. A cada dia que passa, mais aumenta o vazio que em mim habita. Estou partindo porque sei que você viverá melhor assim: sem mim. Sinta-se livre para seguir sua carreira. Esse doutorado na Alemanha é seu sonho, e eu não tenho a intenção de atrapalhar seus planos. Eu também tenho meus planos, Dúbio. Não te seguirei nessa viagem.

Abraço cheio de certeza,

Lúcia.