quinta-feira, 29 de maio de 2008

A boneca

Gostei da Betânia desde o primeiro momento. Senti que seríamos cúmplices até quando fosse possível, e desejava que fosse possível para sempre. Ela foi a alegria dos meus 8 anos. Os brinquedos que me distraiam eram artesanais: o papai nunca pôde comprar aquelas magníficas casinhas de boneca, com sofazinhos de todos os tamanhos, formas e cores. Além disso, era divertido montar e desmontar os nossos próprios brinquedos. O martelo em miniatura me deixava com sensação de utilidade, e era delicioso. Eu nunca pedi uma boneca sequer, já que nunca me fez falta. Desde que a mamãe morreu, o papai precisou suar muito naquela oficina pra conseguir me educar. Nunca quis que ele se preocupasse tanto comigo. Até pensei em fugir de casa. Desisti da idéia quando percebi que não lembrava do rosto da mamãe, nem do dia que ela morreu. Ainda mais: para onde eu iria? Melhor mesmo ficar em casa.
A Betânia surgiu na minha vida por uma malcriação. Na véspera do meu aniversário, pedi ao papai um passeio pela cidade. Sem nenhuma pretensão. Eu não podia imaginar que uma vitrine causaria tanto alvoroço numa criança.
- Pai, olha! Que linda!
- É...
- Pai, compra pra mim? Por favor, vai...
Ele se mantia inexpressivo, enquanto eu implorava com fervor.
- Pai, o que é que custa? Você nunca me deu nada mesmo...
Aquela palavras proferidas por uma criança de quase 8 anos? Eu pude ver um misto de vergonha, culpa e tristeza no rosto do meu pai. Não era a minha intenção. Eu falei por impulso, e não tinha mais jeito: escapou.
Voltamos para casa, e, logo em seguida, o papai saiu e me deixou só. No outro dia, descobri o motivo do seu sumiço: Betânia.
Ela era quase do meu tamanho e divinamente linda: os cabelos tratados e brilhosos, olhos castanhos, e um vestido feito por fadas. Era a boneca dos sonhos de qualquer menina sã na minha idade. Instintivamente, pus o nome da mamãe, e vi que isso alegrara o papai. Mesmo que aquela boneca tivesse lhe custado uma fortuna, estava valendo a pena.

1 comentários:

Anônimo disse...

O olhar do pai é o que contrange e encanta!!!