domingo, 26 de outubro de 2008

O homem calado e triste

Era um homem calado e triste, trancado dentro do seu apartamento durante a sua vida inteira. E observava tudo em um binóculo. Nada passava incólume pelas lentes do aparelho. Por isso, era triste. Via o mundo como ninguém. Podia sair do seu apartamento e ensinar qualquer um a viver. Talvez essa fosse a sua missão, ainda não cumprida. O fato era que o mundo estava um caos. O homem calado e triste se afundava cada vez mais no seu silêncio e na sua tristeza. E com razão: sempre via atrocidades; pessoas que se matavam, matavam outras, assistiam alheias a outras mortes; pessoas que não se respeitavam, não respeitavam outras, e ainda semeavam o desrespeito pelo resto do mundo. Além disso, ele via coisas erradas e sem conserto. E pessoas erradas e sem conserto. O mundo estava de cabeça para baixo: assim pensava o homem calado e triste.
Eis que um belo dia, as suas lentes varrem uma imagem que parecia surreal. Uma imagem que ficaria gravada na mente de qualquer habitante deste mundo inóspito. Uma imagem que ele fez questão de não descrever, de pôr um sorriso no rosto e falar:
- Que maravilha!
Sinal de que o mundo tinha jeito. Pela expressão, parecia ser um ato solidário. Ou não, um gesto de amizade desinteressada. Até mesmo um sinal de amor, humano ou não.
O homem ficou satisfeito. Saiu do seu apartamento, e foi ensinar o resto do mundo a viver harmoniosamente. Afinal, essa era a sua missão.

domingo, 19 de outubro de 2008

Nem leiam, se não quiserem.

Posso até ser nova, mas sei muito sobre a dor e aflição, de tão comuns que são para mim. Ainda mais nesse momento de tamanho estresse que sou obrigada a enfrentar. Meus eu-líricos fogem de mim a todo instante. A todo instante aparecem na pequena janela azul e iluminada, que rapidamente se fecha. Quando saio para procurá-los, os vejo correndo na relva, mas evaporam, desaparecem como fantasmas.
Fantasmas. Me atormentam em todos os sonhos. Ando perturbada, sem inspiração e precisando de desabafar com quem for, sejam paredes rosas, amarelas, verdes, ou pretas que absorvem tudo, sejam pessoas dispostas ou não a me ouvir.

É um maldito sentimento. Eu não estou conseguindo conviver comigo mesma, mas não tenho escolha. Eu posso exigir, então, tolerância dos que me rodeiam? Não tenho esse direito. Eu espero que os outros entendam a minha reclusão dentro de mim, dentro do meu quarto que me entende, que me ouve, dentro das minhas músicas, dentro dos meus escritos melancólicos, dentro do meu peito.

Meu peito. Meu peito está vazio.
Isso está desconexo, em forma de símbolo. Símbolo de mim.
Palavras a esmo e sem sentido.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Don Juan (de volta à fantasia)

Passei em frente a uma loja de automóveis e foi amor à primeira vista: Um carrinho velhinho, mas bem conservado, vermelho-vivo. Não sei se o vírus do consumismo me contaminou, mas eu quis imediatamente ter aquele carro só para mim, e tive ciúmes de todas as pessoas que o olhavam e o almejavam. Don Juan - o carro, porque tudo que é amado tem que ter um nome - seria só meu, com os arranhões discretos no porta-malas e aquele amassadinho na roda traseira que quase ninguém percebe. O Don Juan iria percorrer becos, ruas e avenidas, e subir e descer ladeiras com a força de um possante do ano. Iria acomodar moças com esmaltes do mesmo tom de vermelho. Os planos para o Don Juan estavam feitos e arquivados. Agora só faltava ter o carro.
Como conseguir dinheiro? Assaltar um banco estava fora de cogitação. A última tentativa foi muito arriscada e quase que íamos em cana. Nada de bancos, armazéns, imobiliárias, seguradoras, ou qualquer coisa que envolvesse roubo. Se fosse assim, era mais fácil roubar o próprio carro. Pensei em pedir um empréstimo a uma tia distante e muito rica. Sendo a velha deveras ranzinza e sovina, nem levei a idéia absurda adiante. Ela iria querer que eu desse algo de garantia. Imagina, me desfazer dos meus pertences tão queridos? O Don Juan não vale o sacrifício de ficar na mão da tia avarenta. Depois de tanto pensar, não restou outra alternativa a não ser a pior coisa que alguém já inventou: trabalhar. Um marmanjo que sempre parasitou os outros e nunca fez nada de útil na vida ia ter que conseguir trabalho, mesmo sem experiência. Parti para o ataque. Procurei em todos os cantos à minha altura, mas os donos dos estabelecimentos me negavam um empreguinho de faxineiro que fosse. Até que um contato me conseguiu uma vaga numa fazenda de criação suína. Credo! Trabalhar com porcos! Péssimo para um primeiro emprego. Traumatiza qualquer mendigo miserável. Mas isso o Don Juan valia.
Quero poupá-los de uma descrição detalhada dos meus primeiros dias de peão. Sintetizando: tive que ir morar longe da civilização e do Don Juan, sujeito a qualquer tipo de mazela, andando quilômetros a pé para admirar o meu objeto de desejo e ainda criando porcos fedidos. Só sendo um sujeito muito azarado como eu para sofrer uma reviravolta dessas na vida em tão pouco tempo. E tudo por causa de um carro. O meu patrão era um sujeito muito bondoso e foi fácil aplicar-lhe um bom golpe, digno de troco na hora da compra do Don Juan.
Enfim! Consegui o meu carrinho, melhor que uma cirurgia plástica, meu lindo vermelhinho. Por onde eu passava, recebia olhares fatais de senhoritas da mais alta sociedade. Só um carro como o Don Juan para me deixar tão belo. Fazendo jus ao nome que lhe foi dado.
Um certo domingo, levei o Don Juan para passear. Mas eis que vi algo que roubou a minha atenção pelo tempo suficiente para acontecer a desgraça. Uma motocicleta prateada e brilhante quis ser minha para sempre, me chamou e a tentação foi aumentando. Então, surgiu um poste de algum lugar na minha frente. Mas de onde? Tarde demais para tentar responder. Adeus, Don Juan e dias de sacrifício junto aos porcos.

domingo, 5 de outubro de 2008

A comédia virou tragédia...

"Quem pode impedir que o povo queira ser mal governado? É um direito anterior e superior a todas as leis."

É com essa citação de Machado de Assis, em 1895, que eu começo um grande desabafo interior sobre hoje, dia de eleição, dia em que se efetivou o declínio de Macau. Há mais de 100 anos, o realismo machadiano descreveu um quadro atual na política brasileira. O povo é alienado e vota por dinheiro. Prova disso foi o que aconteceu hoje. O prefeito mais cassado do Brasil foi reeleito fazendo uma campanha suja e regada a muito voto comprado. A decepção é visível no rosto de cada um dos eleitores que votou na oposição. Claro! Combater a corrupção de forma autêntica e com uma candidatura limpa não foi o suficiente para o povo abrir a mente. Falta uma educação eleitoral aqui na cidade. Mas nada podemos fazer, só lamentar.
Cada povo tem o governo que merece. Se escolheu, é porque gosta, porque se vende por uma garrafa de cachaça, uma dose de cana, cinco reais... Vale tudo! O que me admira é que o homem está cassado, cheio de processos tramitando na justiça e ainda assim foi eleito. Simpatia não foi. Boa administração, muito menos. Então, como ele ganhou? Usando artifícios que ele sempre usa.
Será que as pessoas não pensam no futuro? No que a nossa cidade vai se tornar? Eu sempre pensei que sentiria orgulho em votar pela primeira vez, e até senti, mas depois do resultado vi que não basta só a minha consciência. Eu sei que eu votei certo, e não me arrependo. Votaria de novo se fosse preciso. Sei que o prefeito eleito não ganhou com o meu voto, e disso eu me orgulho. O MEU voto valeu a pena. Não digo que foi desperdiçado. Pelo contrário, votei em quem eu queria, não fui comprada, exerci meus direitos de cidadã. Eu fico piedosa pelo povo de Macau, que mora aqui, que vai sofrer as conseqüências por 4 anos, ou mais (uma extensão de uma possível crise, talvez?). Espero que haja boas mudanças, apesar de achar difícil. Ele não é o ideal, mas se o povo escolheu, o povo que agüente.
Eu só digo que estou decepcionada com a política brasileira. Nunca confiei, apesar de provir de uma família do meio, e agora é que eu estou desacreditada de verdade. Macau nos enganou direitinho. E vou achar pouco a lama que ela vai virar. Agora é esperar para ver. 4 anos passam devagar demais. É muito tempo para um ditador. E daqui a 4 anos, eu vou tentar fazer diferente. Nós vamos tentar fazer diferente. Durante esses 4 anos, tentaremos abrir a mente das pessoas para o que ocorre em sua volta. Tirar o litro de cana de suas mãos e inserir suas participações na política macauense.
Digo ainda: ganhamos. Sem apoio de nenhum governo, sem dinheiro, só com o apoio do povo, a diferença foi de 8%. Os adversário antigos se aliaram e ainda assim a diferença diminuiu muito (700 pessoas vieram para o nosso lado). Isso é bom. Mostrou que os traidores não têm força e só provocam revolta nas pessoas (claro, as que NÃO se vendem, que são cidadãs de verdade). A verdadeira vitória está na dignidade com que saimos da batalha.