domingo, 3 de agosto de 2008

A cartomante

Cordel de minha autoria, baseado no conto homônimo de Machado de Assis.

O que Camilo mais se irrita
É com a insegurança de Rita,
Uma moça bonita
Que visitou uma cartomante
Pensando que era instante
Sua paixão alarmante

Superstição em criança
Tinha sempre a esperança
De que um dia ia mudar
Mas no auge da mocidade
Aos vinte anos de idade
Deixou as crenças para lá

Diante do mistério
Fez cara de sério
e desceu com sua amada,
Não mais amedrontada

O encontro todo dia
Às escondidas acontecia,
Na antiga Rua dos Barbonos
Já que Rita tinha dono

Camilo e o rival
Eram amigos de longa data.
Com a volta de Vilela à terra natal
Camilo conseguiu-lhe uma morada

Uma tragédia uniu o trio
A mãe de Camilo morreu
Tornou forte a amizade pueril
E um amor recente nasceu
Como jamais sentiram igual
Mas não podiam mostrar nenhum sinal

Camilo, anos completou
E ganhou uma bengala de Vilela.
De Rita, apenas um bilhetinho
Mostrando todo o carinho dela
Se viu, então, apaixonado
Por uma linda donzela

Ela quis fugir
Não conseguiu, mas tentou
Seu coração se negou a aceitar
Foi então que viu abrir
As portas e janelas do amor
Sentindo a delícia de se apaixonar

Uma carta anônima recebeu
Mostrando conhecido o seu sentimento
Camilo de medo quase morreu
Sentindo intenso descontentamento
À casa de Vilela não mais desceu
Causando em Rita sofrimento

Vilela notou o sumiço
Foi a Camilo perguntar
A causa do desaparecimento
Camilo respondeu que isso
Havia logo de passar
Era paixão de momento

Não teve nenhuma coragem
De revelar quem era
Faria uma grande bobagem
O corno ficaria uma fera

Quando Camilo sumiu
Rita procurou a cartomante
Sentia na barriga um frio
Pagava até com diamante
Ao sair, enfim sorriu
Não havia dúvida restante

As cartas sem remetente
Continuaram a chegar
Pensou em pretendente
Nem de longe era advertente
E se pôs a imaginar

Havia grande possibilidade
Que o anônimo escrevesse a Vilela
E ele soubesse a verdade
Como em cena de novela

Rita tentou evitar
Guardando as que tivessem igual letra
Se procurassem, teria rasgado
Mas Vilela começou a desconfiar
Que Rita estava em uma treta
E pensou em Camilo na cama ao seu lado

Ela disse ao amado
Que o marido tinha quase certeza
Que eles deviam tomar cuidado
Vilela tinha destreza
Camilo voltaria à residência
E ouviria qualquer confidência

Camilo pensou com a razão
Vilela desconfiaria mais
Achou melhor diminuirem a tensão
Para, por um momento, terem paz
Os corações foram quebrados
Com lágrimas separados

Vilela escreveu ao amigo
Chamando-o em casa urgente
"Falar em casa comigo?"
Pensou Camilo, temente

Camilo pensou no pior
Pelo conteúdo do bilhete
Sentiu na garganta um nó
E nas pernas, cacoete
O sorrisou amarelou
E a pele esbranquiçou.

Passou em casa pra ver
Se tinha alguma recado dela
Sentiu a cabeça doer
Só conseguia pensar em Vilela
Em casa não tinha nada
Resolveu seguir estrada

Camilo estava nervoso
Crescia mais a comoção
Daqui a pouco ele teria
Um ataque do coração

Entrou numa carruagem
Foi a única saída
Pagaria a passagem
Para ir pensando na vida
Mas por acidente parou diante
Da casa da cartomante

Desceu da carruagem
E as cartas foi consultar
Se antes achava bobagem
Agora ia acreditar
Ele fugia da realidade
Queria saber a verdade

O que ela lhe respondeu
Fazia muito sentido
Camilo de lá desceu
Bastante comovido
Aliviado permaneceu
Não estava arrependido

Confiante seguiu
Se culpando pela maldade
Afinal eram amigos
Desde a mocidade
Podia ser que o assunto
Fosse de muita gravidade

Tinha a sensação
De infinita felicidade
Pediu para o cocheiro
Aumentar a velocidade

Assim que Camilo chegou
Vilela apontou para a porta
Quando viu, não acreditou
Rita estava morta

Vilela atirou, indignado
Dois tiros acertados
Deixando Camilo morto no chão
Ele foi traído e enganado
Deixando machucado
Seu imenso coração.

2 comentários:

CLARIDÃO disse...

Agradeço a visita ao meu blog.

e este, cordel.!!!
ainda aprendo!

Marcos Mairton disse...

"A cartomante" é realmente um conto fascinante. Coincidentemente, pouco tempo antes de sua postagem (abril/2008), eu havia feito uma adaptação dele para o cordel. Publiquei um trecho em meu blog MundoCordel (http://mundocordel.blogspot.com/2008/04/machado-de-assis-em-cordel.html). Posso lhe enviar o texto completo, se vc quiser.
Um abraço.