domingo, 26 de abril de 2009

Doce real

Recriei meus amigos imaginários, e ando conversando demais com eles ultimamente. Eles me escutam e sabem exatamente o que eu quero que eles perguntem. Quando eu era uma pequena menina, tinha meus amigos imaginários sem-nome. Compreensível: sem muitas opções de lazer durante as tarde ociosas de segunda a sexta, tinha que criar minha própria diversão. As bonecas eram inanimadas e tão perfeitas que se tornavam chatas; ou seja, não me agradavam. Então, tive a iniciativa de criar uma legião de novos amigos visíveis apenas a mim. A minha imaginação voava, formando cada detalhes dos meus amigos, cada pedaço do corpo, cada composição do ser. Tinha a amiga boazinha, o queridinho de todos, a malvada e invejosa, o sedutor, a fofoqueira... personalidades distintas para a brincadeira não ficar chata. Certo dia, me dei a liberdade de convidar todos para uma festa na minha casa. Bem, uma criança de cinco anos fazendo uma festa para um bando de amigos que sequer existiam fisicamente é de preocupar. Com um velho controle remoto de televisor liguei para cada um deles e, após confirmada a presença, avisei à minha mãe. Depois de tentar me fazer entender em vão que crianças precisam combinar essas coisas com os pais antes de convidar todo mundo, ela concordou em me ajudar a preparar tal reunião. Comprou bolo, pipoca, refrigerante e doces. Não lhe ocorreu de perguntar quem viria à festa; afinal, ela conhecia todos os meus coleguinhas de escola e da rua. Chegado o dia da festa, numa tarde semanal ociosa, minha mãe trabalhava no horário combinado, o que a preocupou muito, apesar de os convidados serem poucos. Meus amigos chegaram animados. Lanchamos, rimos, cantamos, dançamos, conversamos. Quando minha mãe chegou à casa, logo suspeitou (erroneamente) que a festa tinha terminado.
- Ué, os convidados já foram?
- Não, mãe, ainda estão aqui...
- Onde?!
- Aqui, mãe! - Eu falava, apontando para cada um e dizendo seus nomes inventados de última hora.
Minha mãe deve ter imaginado que eu estava louca. Pelo menos, foi assim que interpretei a sua injúria... Penso no que ela deve imaginar hoje quando souber que meus amigos voltaram. Ah, esses meus amigos, me acompanharam durante tanto tempo. Sabem mais de mim do que eu mesma. Pudera: em qualquer momento de aflição, é a eles que recorro. Sempre nos mesmos lugares - no cantinho escuro do quarto, numa cadeira vazia do escritório, no espelho do banheiro. Só voltam quando algo me atormenta, como tem acontecido de uns tempos para cá. E eles sempre estão aqui, independente de hora, dia, mês ou ano. Escutam meus pensamentos, ouvem minha voz lânguida e embargada, afagam meus cabelos, não falam nada. Porque falar não é preciso.